AS MÃOS PRESSENTEM...
As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar
ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada
LE MANI PRESENTONO...
Le mani presentono la leggerezza rossa del fuoco
ripetono gesti simili a corolle di fiori
voli di passero ferito nel tumulto dell'alba
o restano così azzurre
arse dalla secolare età di questa luce
incagliata come una barca nei confini dello sguardo
alzi di nuovo le stanche e sagge mani
tocchi il vuoto di tanti giorni senza desiderio e
l'amarezza umida delle notti e tanta ignoranza
tanto oro sognato sulla pelle tanta tenebra
quasi niente
A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo
La scrittura è la mia prima dimora di silenzio
la seconda irrompe dal corpo muovendosi da dietro le parole
estese spiagge vuote dove il mare non arrivò mai
deserto dove le dita mormorano l'ultimo crimine
scriverti continuamente... sabbia e ancora sabbia
costruendo nel sangue altissime pareti di niente
questa passione per gli oggetti che conservasti
questa pelle-memoria a esalare non so quale disastro
la lingua di limi
spargevamo semi di cicuta sulla nebbia dei sogni
le mattine giungevano come un gemito stellare
ed io seguivo le tue tracce di sperma in riva al mare
altri corpi di salsedine attraversano il silenzio
di questa dimora eretta nella precaria saliva del crepuscolo
VESTÍGIOS
noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras
hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se
onde se pode - num vocabulário reduzido e
obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo
continuamos a repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial
tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte
procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer
irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia
VESTIGIA
in altri tempi
quando credevamo nell'esistenza della luna
fu per noi possibile scrivere poesie e
avvelenarci bocca a bocca con il vetro frantumato
da salive proibite - in altri tempi
i giorni correvano con l'acqua e ripulivano
i licheni dalle immonde maschere
oggi
nessuna parola può esser scritta
nessuna sillaba permane nell'aridità delle pietre
o si espande sul corpo disteso
nella camera del verderame e dell'alcool - si pernotta
dove si può - in un vocabolario ridotto e
ossessivo - fino a che il lampo fulmini la lingua
e non si riesca a sentire nient'altro
malgrado tutto
continuiamo a ripetere i gesti e a bere
la serenità della linfa - tramite la febbre
dei cedri andiamo su - sino a toccare il mistico
arbusto stellare
e
il mistero della luce ci fustiga gli occhi
in una euforia torrenziale
tocchi i fiori appassiti che qualcuno ti regalò
quando il fiume smise di scorrere e la notte
fu così luminosa come la moto che tagliò
la curva - e il servizio postale non funzionò
il giorno seguente
ricerchi avido ciò che il mare non divorò
e passi la lingua sulla colla dei francobolli leccati
da assassini - e la tua mano tiene il coltello
il cui taglio possiede la fatalità del sangue contaminato
degli amanti occasionali - niente da fare
andrai solo dentro alla vita
le braccia distese come se entrassi in acqua
il corpo in un arco di pietra teso a simulare
la casa
dove mi rifugio dal mortale splendore del mezzogiorno
CLAMOR
Tudo bem ao chamamento
noite após noite o que dissemos e
o que nunca diremos - a viagem
com uma giesta de algodão presa nos cabelos e
a sensação fresca de um sulco de aves na pele
tudo vem ao chamamento - os lobos
os anões as fadas as putas as bichas e
a redenção dos maus momentos - enquanto te barbeias
vês no espelho o homem
cuja solidão atravessou quase cinco décadas e
está agora ali a olhar-te - queixando-se da tosse
da dor de dentes e do golpe que a lâmina fez
num deslize perto da asa do nariz
não sei quem é - sei porém que vai afogar-se
naquela superfície clara quando dela se afastar e
abrir a porta para sair de casa murmurando: tudo
vem ao chamamento
por dentro do clamor da noite.
CLAMORE
Tutto bene all'appello
notte dopo notte ciò che dicemmo e
ciò che mai diremo - il viaggio
con una ginestra di cotone legata nei capelli e
la sensazione fresca di un solco di uccelli sulla pelle
tutto viene all'appello - i lupi
i nani le fate le puttane gli omosessuali e
la redenzione dei brutti momenti - mentre ti radi
vedi nello specchio l'uomo
la cui solitudine attraversò quasi cinque decadi e
adesso sta lì a guardarti - lamentandosi della tosse
del mal di denti e del taglio che la lama fece
scivolando vicino l'ala del naso
non so chi sia - so però che sta affogando
in quella superficie chiara quando se ne allontana e
apre la porta per uscire di casa mormorando: tutto
viene all'appello
da dentro il clamore della notte.
HÁ-DE FLUTUAR UMA CIDADE
Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outra era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me
uma pérola no coração. Mas estou só, muito só,
não tenho a quem deixar.)
um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
FLUTTUERÀ UNA CITTÁ
Fluttuerà una città sul crepuscolo della vita
pensavo... come sarebbero felici le donne
in riva al mare chine verso la luce calcinata
a rammendare la tela delle vele spiando il mare
e la lontananza dell'amore imbarcato
a volte
un gabbiano si posava sulle acque
altre era il sole che accecava
e un dardo di sangue spargeva sul lino della notte
i giorni lentissimi... senza nessuno
e non mi dissero mai il nome di quell'oceano
aspettai seduta sulla porta...allora scrivevo lettere
mi misi a guardare la striscia di mare in fondo alla strada
così invecchiai... credendo che qualche uomo passando
potesse meravigliarsi della mia solitudine
(anni più tardi, adesso ricordo, mi nacque
una perla nel cuore. Ma sono sola, molto sola,
non ho a chi lasciarla.)
venne un giorno
in cui mai più avvistai città crepuscolari
e le barche smisero di fare scalo alla mia porta
mi inclino di nuovo sulla tela di questo secolo
ricomincio a orlare o a dormire
tanto fa
ho sempre avuto dubbi che mi potesse far visita la felicità
Quase nunca estive morto,
excepto nalgumas fotografias:
o sorriso que nelas se imobilizou já não existe.
E as fotografias são quase de certezza,
acidentes na biografia do fotógrafo-
revelam muito mais sobre o fotógrafo do que
sobre aquilo que fotografou
Non sono morto quasi mai,
eccetto in alcune fotografie:
il sorriso che in esse si immobilizzò ormai non esiste.
E le fotografie sono quasi certamente,
accidenti nella biografia del fotografo -
rivelano molto di più sul fotografo che
su ciò che ha fotografato
SEM TÍTULO E BASTANTE BREVE
Tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e
com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor
na verdade, estou derrubado
sobre a mesa em fórmica suja duma taberna verde,
não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, à beira mar
dizem que ao possuir tudo isto
poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito
interrogar-se acerca da melancolia das mãos...
esta memória lamina incansável
um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água?
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas
amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão
SENZA TITOLO E ABBASTANZA BREVE
Ho lo sguardo fisso sugli angoli scuri della casa
tento di scoprire un incrocio di linee misteriose, e
con esse voglio costruire un tempio a forma di isola
o di mani disponibili per l'amore
in verità, sono riverso
sul tavolo in formica sporco di una taverna verde,
non so dove,
cerco i passeri radunati nello stordimento della notte
ubriaco intreccio le dita
possiedo gli insetti duri come unghie che dilacerano
i volti bianchi delle case abbandonate, in riva al mare
dicono che possedendo tutto questo
avrei potuto essere un uomo felice, che ha come difetto
interrogarsi circa la malinconia delle mani
questa memoria lama instancabile
una sigaretta
un'altra sigaretta certamente mi calmerà
cosa so io sulle tempeste del sangue?
E dell'acqua?
in fondo, amo solo il loto nascosto delle isole
mi sveglio dolorosamente, scrivo quello che posso
sto immobile, la luce mi attraversa come un sisma
oggi, correrò alla velocità della mia solitudine
TENTATIVAS PARA UM REGRESSO À TERRA
O sol ensina o único camino
a voz da memória irrompe lodosa
ainda não partimos e já tudo esquecemos
caminhamos envoltos num alvéolo de ouro fosforescente
os corpos diluem-se na delicada pele das pedras
falamos rios deste regresso e pelas margens ressoam
passos
os poços onde nos debruçamos aproximam-se
perigosamente
da ausência e da sede procuramos os rostos na água
conseguimos não esquecer a fome que nos isolou
de oásis em oásis
hoje
é o sangue branco das cobras que perpetua o lugar
o peso de súbitas cassiopeias nos olhos
quando o veludo da noite vem roer a pouco a pouco
a planície
caminhamos ainda
sabemos que deixou de haver tempo para nos olharmos
a fuga só é possível dentro dos fragmentados corpos
e um dia... quem sabe?
chegaremos
TENTATIVI PER UN RITORNO ALLA TERRA
Il sole insegna l'unico cammino
la voce della memoria irrompe lotosa
non siamo ancora partiti e già dimenticammo tutto
camminiamo avvolti in un alveolo di oro fosforescente
i corpi si diluiscono nella delicata pelle delle pietre
parliamo fiumi di questo ritorno e dai margini risuonano
passi
i pozzi dove noi ci sporgiamo si fanno vicini
pericolosamente
dall'assenza e dalla sete cerchiamo i visi nell'acqua
riusciamo a non dimenticare la fame che ci isolò
di oasi in oasi
oggi
è il sangue bianco dei cobra che perpetua il luogo
il peso di improvvise cassiopee negli occhi
quando il velluto della notte viene a rodere poco a poco
la pianura
camminiamo ancora
sappiamo che non ci fu più tempo per guardarci
la fuga è possibile solo dentro i frammentati corpi
e un giorno... chi sa?
ritorneremo
OFÍCIO DE AMAR
Já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio
de outras galáxias, e o remorso...
um dia pressenti a música estelar das pedras
abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
posso a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas
ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo.
UFFICIO DI AMARE
Ormai non necessito di te
ho la compagnia notturna degli animali e la peste
ho il seme malato delle città erette al principio
di altre galassie, e il rimorso...
un giorno presentii la musica stellare delle pietre
mi abbandonai al silenzio
è lentissimo quest'amore che progredisce con il battere del cuore
no, non ho bisogno di me
possiedo la malattia degli spazi incommensurabili
e i segreti pozzi dei nomadi
ascendo alla conoscenza piena del mio deserto
ho smesso d'essere disponibile, perdonami
se coltivo regolarmente la nostalgia del mio stesso corpo.
VIGÍLIAS
Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerer pelos dedos prisioneiros
da tristezza
acordo
para a cegante claridade das ondas
um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador
VIGILIE
Quando non sei qui
ciò che fu intorno a noi comincia a morire
la finestra che dà sul mare
continua chiusa solo nei sogni
mi alzo
la apro
lascio la frescura e la forza del mattino
scorrere attraverso le dita prigioniere
della tristezza
mi sveglio
per l'accecante chiarore delle onde
un viso si delinea nitido
oltre
rasentando il sale dell'immensa assenza
una voce
voglio morire
con una overdose di bellezza
e in un sussurro il corpo pacificato
perscruta questo cuore
questo
solitario cacciatore